Notícia

Angela Davis: Carta Aberta ao Partido Comunista

4 julho, 2019

A filósofa e ativista Angela Davis escreveu uma Carta Aberta para saudar o Partido Comunista dos Estados Unidos (CPUSA), que faz cem anos em 2019. A carta – que fala sobre a importância histórica e atual da legenda – foi divulgada nesta quarta-feira (3) no Blog da Boitempo. Angela, uma das grandes líderes feministas e antirracistas do século 20, permaneceu filiada por mais de três décadas (1969-1991) ao CPUSA, pelo qual concorreu, em duas eleições, ao cargo de vice-presidenta. Confira a carta.
Angela, que militou no CPUSA, escreveu texto em homenagem ao centenário da legenda
 
Camaradas,
Me junto a vocês na celebração do Partido Comunista dos EUA e sua história de cem anos de lutas militantes pela democracia da classe trabalhadora, por justiça racial, de gênero e ambiental, e pelo socialismo, que é o único futuro viável para o nosso país e para o planeta. Tenho orgulho de ter passado muitos de meus anos de formação nessa organização e de ter me beneficiado de sua presença pioneira e liderança nas lutas antirracistas e trabalhistas.
Depois de tentativas persistentes de obscurecer o papel histórico do Partido e de organizações como o Southern Negro Youth Congress (SNYC) na organização de trabalhadores industriais, meeiros e agricultores arrendatários no Sul, está se tornando cada vez mais claro que esse trabalho contribuiu para criar um terreno político sobre o qual as lutas contra a segregação das leis “Jim Crow” eventualmente vicejariam. Acadêmicos jovens que se livraram das influências continuadas do Macarthismo, estão agora descobrindo as contribuições inestimáveis dos Comunistas.
Tendo visitado o túmulo de Claudia Jones¹ – imediatamente adjacente ao de Karl Marx – no Cemitério de Highgate, em Londres, fico especialmente feliz que suas ideias foram agora incorporadas a muitas histórias do feminismo negro estadunidense. O ensaio An End to the Neglect of the Problems of the Negro Woman [Um Fim à Negligência em Relação aos Problemas da Mulher Negra], escrito em agosto de 1948 e publicado originalmente na revista Political Affairs no ano seguinte, agora aparece em muitas antologias e é considerado um texto histórico fundador.² Há muitos outros exemplos – incluindo a impressionante entrevista de Esther Cooper Jackson, que agora está com 103 anos, e que na época era uma liderança do SNYC, em um filme recente sobre o estupro coletivo de Recy Taylor em Abbeville, no Alabama, em 1944.³
Este é um momento perigoso – sindicatos estão sob ataque, investidas racistas e violência antissemita estão crescendo, candidatos de ultradireita conquistaram o poder nos EUA, no Brasil, nas Filipinas, em Israel e em outros países. Ao mesmo tempo, há uma crescente oposição à supremacia branca, à violência policial, à misoginia e à acumulação capitalista de riqueza no mundo. Com sua história de um século de luta, o Partido Comunista está bem-posicionado para oferecer expertise, experiência e análises marxistas que ajudarão os movimentos de resistência a crescerem e se desenvolverem. O mínimo do mínimo que precisamos fazer é derrotar a gestão Trump em 2020! Desejo a vocês sucesso nas deliberações da convenção.
Em solidariedade,
Angela Y. Davis
NOTAS
(1) Claudia Jones (1915-1964) foi uma importante feminista negra filiada ao Partido Comunista dos EUA – e uma das pioneiras a tematizar a tripla opressão (de raça, classe e gênero) sob uma ótica marxista. Presa e posteriormente deportada do país por conta de sua atuação política, passou a residir no Reino Unido, em 1955, onde veio a fundar o primeiro grande jornal negro da Inglaterra, o West Indian Gazette. Angela Davis encerra o capítulo sobre “Mulheres Comunistas”, em seu Mulheres, Raça e Classe, com um perfil dedicado à trajetória e ao pensamento de Claudia Jones.
(2) Há uma tradução para o português, feita por Edilza Sotero, deste artigo de Claudia Jones, publicado na Revista Estudos Feministas, vol. 25 no. 3, Florianópolis Sept./Dec. 2017, com o título “Um fim à negligência em relação aos problemas da mulher negra!”.
(3) A autora refere-se ao documentário The Rape of Recy Taylor (2018), escrito e dirigido por Nancy Buirski, e inspirado pelo livro At The Dark End of the Street: Black Women, Rape and Resistance – A New History of the Civil Rights Movement from Rosa Parks to the Rise of Black Power, de Danielle L. McGuire.

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