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Bahia aprova primeiro manifesto “Por Mais Mulheres no Poder”

6 dezembro, 2019


Um dia histórico para as mulheres. Assim pode ser definida a realização do primeiro Parlamento Feminista do Brasil, que aconteceu na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), nessa quinta-feira (05/12).
Com a presença de brasileiras e estrangeiras, o encontro teve por objetivo fortalecer a participação feminina na política e aprovar o manifesto ‘Mais Mulheres no Poder’, documento construído com as sugestões das presentes no evento, que defende a paridade de gênero e cotas na política. Posteriormente, o manifesto será enviado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao Senado, à Câmara Federal, à ONU Mulheres e ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Realizado pela Comissão dos Direitos das Mulheres da Alba, o encontro foi inspirado no Parlamento Feminista que ocorreu na cidade de La Plata, Argentina, em 2018, e fez parte das atividades da 4ª edição do ELLA – Encontro Latino Americano de Feminismos.
Presidenta da Comissão dos Direitos das Mulheres da Alba, Olívia Santana (PCdoB-BA) declarou que o Parlamento Feminista foi aprovado por unanimidade pelas deputadas da Casa. “Entendemos que mesmo sendo de partidos diferentes, sabemos da importância em estarmos unidas em torno do empoderamento feminino e defesa dos direitos das mulheres”, disse.
A titular da Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres da Bahia (SPM-BA), Julieta Palmeira (PCdoB-BA), parabenizou a realização do evento e em especial, a Comissão dos Diretos da Mulher da Assembleia. “Quando falamos em parlamento feminista precisamos ressaltar o papel das deputadas, prefeitas e vereadoras. Não posso deixar de registrar que em sete dias, quatro mulheres foram mortas por feminicídio. Essa cultura machista afeta, inclusive, a participação feminina nos espaços de poder e decisão, inclusive a política”, afirmou.
A mesa de abertura do evento contou com uma grande representatividade feminina. Presente, a deputada cubana Anabel Treto declarou que os direitos das mulheres cubanas foram conquistados com muita luta e que o governo cubano incentiva a presença da mulher na política.
A deputada estadual pelo Rio de Janeiro, Mônica Francisco falou sobre a importância em mudar o atual sistema político. “Não dá para fazer política sem as mulheres. É impossível um país que não represente e nem respeite as nossas formas de vida. É impossível que os parlamentos no Brasil e na América Latina continuem com esses projetos que não representam nossa diversidade”, destacou.
Dríade Aguiar, da Mídia Ninja e do ELLA, comentou a satisfação em participar do primeiro Parlamento Feminista brasileiro. “Ninguém convida a mulher para a discussão política, por isso entramos sem pedir licença. Ano passado, na Argentina, conseguimos reunir mulheres eleitas entre nós para falar de política para nós”.
A advogada trans e deputada estadual da mandata coletiva Juntas, de Pernambuco, Robeyoncé Lima, reafirmou a importância da união das mulheres para combater o sistema machista, homofóbico, racista e lgbtfóbico. “Nós precisamos ocupar os espaços e não podemos permitir mais retrocessos na política. Precisamos exigir dos partidos a nossa presença nas campanhas e nas eleições”, concluiu.
Para a deputada estadual carioca Leci Brandão, é importante olhar para todas as mulheres reais, são elas que precisam estar inclusas na política. “Precisamos ouvir os coletivos, as pessoas que estão na ponta. Que esse Parlamento Feminista realizado aqui na Bahia seja exemplo para todo o Brasil.”
O evento seguiu com as falas das mulheres durante a tarde, em uma grande Assembleia Feminista, na qual as inscritas tiveram vez e voz na realização do Parlamento Feminista.
A atividade contou ainda com a presença de Milena Caridad, cônsul de Cuba no Brasil, da deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA), das secretárias estaduais Fabya Reis (Sepromi) e Cibele Carvalho (Serin), de prefeitas, deputadas estaduais e federal, vereadoras e mulheres dos mais diversos movimentos sociais.
Confira a íntegra do documento:
CARTA DA BAHIA POR MAIS MULHERES NOS ESPAÇOS DE PODER
Somos mulheres diversas e lutamos por representatividade nos espaços de poder político e econômico, pelo fortalecimento da autonomia e dos nossos direitos sexuais e reprodutivos, contra todas as formas de violência. Nós, mulheres de diferentes correntes e partidos políticos, de diferentes etnias, negras, brancas, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, mulheres com deficiência e com filhos (as) com deficiência, trabalhadoras, desempregadas, trabalhadoras rurais, trabalhadoras domésticas, sem teto, em situação de rua, mulheres em situação de tráfico internacional, mulheres em situação de prostituição, em cárcere, empresárias, servidoras públicas, juristas, chefas de família, mulheres heterossexuais, cis, lésbicas, trans, bissexuais, livres nos encontramos unidas neste Parlamento Feminista numa perspectiva de acesso aos espaços de poder e da edificação de um poder mais humano, livre de preconceitos, antirracista, diverso, contra a política econômica ultraliberal, que faz crescer a pobreza e a fome entre uma maioria de mulheres e suas famílias, principalmente as negras e indígenas.
Lutamos por uma sociedade com relações mais justas de produção, que estimule sistemas colaborativos e solidários, contra as desigualdades e a grande concentração de renda que avança no Brasil, entre outras mazelas do neoliberalismo, contra o avanço do pensamento ultraliberal e ultraconservador, contra o neofascismo. Queremos uma sociedade mais justa e igualitária, que cultive uma cultura de paz e respeito às diferenças. Nas últimas décadas, a legislação eleitoral apresentou avanços para o acesso das mulheres aos cargos eletivos, fruto da luta feminista por direitos. Ainda assim, a participação feminina na política enfrenta grandes desafios. A estrutura patriarcal, que reservava aos homens os espaços públicos e relega às mulheres o ambiente privado, ainda está viva no seio das relações políticas e sociais, o que exige uma mudança das estruturas partidárias e, consequentemente, da cultura que impacta o imaginário do eleitorado, para que a necessária paridade, baseada na representatividade de gênero, possa florescer.
O estímulo à participação de mais mulheres na política, vem por meio da chamada cota de gênero, prevista no artigo 10, parágrafo 3º, da Lei das Eleições. Segundo o dispositivo, cada partido ou coligação deverá preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, nas eleições para Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Em maio de 2018, por unanimidade, o plenário do TSE confirmou que os partidos políticos deveriam, já para as eleições de 2018, reservar pelo menos 30% dos Recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conhecido como fundo eleitoral, para financiar as campanhas de candidatas no período eleitoral. Na ocasião, os(as) ministros(as) também entenderam que o mesmo percentual deveria ser considerado em relação ao tempo destinado à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão.
Através das cotas, tivemos um crescimento de 51% de mulheres nas Eleições para a Câmara dos Deputados, o maior aumento da história. Saímos de 51 mulheres eleitas em 2014, para 77 deputadas eleitas, em 2018. Nas Assembleias Legislativas, o crescimento foi de 35%. No mesmo período saímos de 119 mulheres eleitas deputadas estaduais para 163. Assim, neste momento em que há no país uma agenda que representa retrocessos para as conquistas das mulheres em diferentes dimensões da vida social, que ameaça a importante conquista das cotas de 30% de candidatas e do fundo eleitoral para candidaturas femininas, este parlamento feminista se posiciona em defesa das seguintes premissas de fortalecimento da democracia e de promoção de mais mulheres nos espaços de decisão política:
1) Exige o efetivo cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, especialmente o objetivo 5, insculpidos na Agenda 2030 das Nações Unidas, da qual o Brasil é signatário, que propõe a paridade de gênero nas instâncias de poder. Para alcançarmos tal objetivo é preciso manter a cota obrigatória de candidaturas de mulheres para os cargos eletivos, ampliá-la para os cargos executivos e trabalhar para o alcance da paridade, por uma sociedade sustentável e referenciada no princípio da igualdade.
2) Repudia o uso das chamadas “candidaturas laranjas” e conclama o judiciário a aplicar as medidas legais inibidoras desta fraude, punindo os partidos políticos que incorram, incentivem, sejam coniventes, omissos ou negligentes com neste tipo de prática lesiva aos direitos políticos das mulheres. As candidaturas laranjas são uma prática machista, de dominação de homens sobre mulheres, com o propósito de manipular a Lei Eleitoral para transferir mais recursos para candidaturas masculinas, na tentativa de destruir os instrumentos legais de promoção da equidade e empoderamento político das mulheres.
3) Combate à propagação de notícias falsas para obtenção de vantagens eleitorais e políticas, as chamadas “fake news”, que têm se configurado como uma violência hedionda contra a democracia, que manipula a realidade e distorce a vontade do povo, motivo pelo qual insta o Ministério Público a fiscalizar e o Poder Judiciário a adotar medidas que combatam, punam e inibam esse tipo de crime.
4) Propõe a criação de um Fundo de Financiamento das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres, com fortalecimento das Secretarias de Mulheres nos Estados e Municípios. O empoderamento das mulheres é estratégico para acelerar as políticas públicas de redução do quadro de violência de gênero e feminicídios, que vitima principalmente as mulheres negras e pobres, na Bahia, no Brasil e em todo o mundo.
5) Investimento em tecnologias, como a instalação de antenas de celular e internet para as comunidades Rurais, que conectem as diversas mulheres que vivem segregadas do processo de inclusão digital. O acesso à informação é indispensável para autonomia e empoderamento das mulheres.
6) Exigir de partidos políticos a distribuição democrática, republicana e transparente dos recursos eleitorais, a fim de garantir a representatividade das mulheres em sua diversidade e assegurar a igualdade nos acessos aos recursos.
7) Propor a aplicação do percentual de 30% dos recursos do fundo partidário para formação de quadros femininos, capacitando as mulheres para a política, aumentando assim a sua representatividade. Seguimos em luta pela emancipação das mulheres, pelo fortalecimento das nossas conquistas, pela equiparação salarial no mercado de trabalho, pelo acesso às oportunidades nos espaços estratégicos e de decisão. Não aceitaremos nenhum retrocesso. Lutamos contra as narrativas que objetificam nossos corpos e tentam nos colocar como eternas adversárias de nós mesmas. Estamos dispostas a nos escutar e acolher, afastando qualquer possibilidade de voltar a nos silenciar, lutamos pela nossa liberdade. Pelo fim de todas as formas de violência contra as mulheres, pelo aumento dos investimentos do fundo partidário na formação de quadros femininos, em defesa das cotas eleitorais para candidaturas e cadeiras nas casas legislativas, contra a violência política e toda forma de preconceito, a favor da liberdade que cada mulher tem de construir sua trajetória. Estamos de mãos dadas e não daremos nenhum passo para trás.

PARLAMENTO FEMINISTA DA BAHIA

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