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Haroldo Lima: Uma homenagem a Ibsen Pinheiro

29 janeiro, 2020

Ibsen Pinheiro, ex-presidente da Câmara dos Deputados, no período de 1991 a 1993, faleceu no dia 24 de janeiro de 2010, em Porto Alegre. Ibsen era gaúcho, filho de São Borja, terra de Getúlio Vargas e João Goulart, onde estão os restos mortais de Getúlio, Jango e Brizola. Chegou na Câmara Federal em 1983, no mesmo ano em que lá cheguei. Foi Constituinte. Presidente da Câmara, no período do impeachment do ex-presidente Fernando Collor.
Nesse primeiro período de sua passagem pela Câmara, foi um dos mais destacados parlamentares do Brasil. Falava-se que, se tivesse sido aprovado um sistema parlamentarista, Ibsen poderia ser o Primeiro Ministro, tamanha sua liderança no meio parlamentar.
A revista Veja, no dia 18/11/1993, apareceu com uma escandalosa reportagem de capa que bradava: “Até tu, Ibsen? Um baluarte do Congresso naufraga em dólares suspeitos’”. A reportagem “mostrava” que Ibsen movimentara em conta bancária US$1 milhão, quantia inteiramente incompatível com seus ganhos parlamentares.
A Nação ficou estarrecida. Ibsen se defendeu. Mas o ambiente era do denuncismo e das condenações implacáveis, mesmo sem provas. E Ibsen teve seu mandato cassado.
Muito tempo depois, veio a revelação chocante: a notícia da Veja era falsa. O próprio autor da reportagem, o jornalista Costa Pinto, veio a público dizer o que sucedera.
A revista ainda não estava impressa, quando tomou conhecimento de que a referência a US$1 milhão na conta do Ibsen não era verdadeira. Achou-se, contudo, que, àquela altura, era difícil consertar a denúncia do $US 1 milhão. Que fazer?
O editor-executivo de Veja mandou o repórter Costa Pinto sair a campo e arranjar uma declaração qualquer que desse cobertura à notícia. E assim foi arranjado, às pressas, o então deputado Benito Gama, presidente da CPI, que disse “Tem movimentação errada e Ibsen vai ter de responder por isso”. Pronto, a matéria de capa podia sair e a Nação foi informada de que Veja “descobrira” uma movimentação de US$ 1 milhão na conta do Ibsen.
Ainda agora, depois da morte do Ibsen, o repórter Costa Pinto confirmou essa versão e proclamou: “O Ibsen nunca foi corrupto”.
Na época, Líder do PCdoB, fui chamado pelo Ibsen. Pediu-me para falar com a bancada do PCdoB e eu o levei a uma reunião no gabinete da Liderança, na época, junto à Biblioteca. Ibsen defendeu-se.
Depois, sem o Ibsen, a bancada decidiu como votar. Ficara com dúvidas, mas a pressão midiática por cassar Ibsen era grande. Toda a esquerda estava nessa.
No ritual da Casa, e na maneira específica do PCdoB agir, antes de cada votação importante, o líder falava ao Plenário, defendia sua posição e encaminhava o voto do partido. Desta vez, decidimos diferente: o líder não falaria, não envolveria a autoridade do partido na cassação, não a recomendaria, mas votaria pela cassação.
Comuniquei a posição ao Ibsen, que me disse mais ou menos o seguinte: agradeço a posição de vocês, mas ela é insuficiente. Vocês têm poucos votos no plenário. Mas têm muita influência política e moral. O que eu queria é que você, Haroldo, líder da bancada, fosse à tribuna e dissesse que vocês não vão votar pela cassação porque a bancada não está convencida.
Não foi o que fizemos. Como hoje lamento.
Quando veio à tona a informação do embuste montado irresponsavelmente, mentirosamente, pela Veja, escrevi um artigo. Disse que, nos meus 20 anos de mandatos na Câmara dos Deputados e nos meus 11 anos de líder do PCdoB, devo ter cometido vários erros, de boa-fé. Mas nenhum me deixava tão constrangido quanto esse voto que demos pela cassação de Ibsen. Erramos. Fomos induzidos ao erro, pelo sensacionalismo e irresponsabilidade da revista Veja, que desencadeou uma onda punitiva na qual toda a esquerda embarcou. Encaminhei o artigo e um pedido de desculpas ao Ibsen.
Agora que o Ibsen morreu, quero homenageá-lo, transcrevendo aqui um de seus discursos, divulgado pelo Diário do Congresso Nacional de 26 de março de 1992.
Por ocasião do 70º aniversário do PCdoB, fui autor de proposição para a realização de uma sessão especial da Câmara para registrar e comemorar o dito aniversário. O líder do PCdoB já era Aldo Rebelo, que me sucedera.
O Ibsen presidiu a sessão. Começou convidado para “integrar a Mesa, na posição de honra, o Presidente Nacional do PCdoB, ex-Deputado Federal Constituinte, João Amazonas.” Chamou também, “Renato Rabelo, Vice-Presidente Nacional do PCdoB”. Saudou os deputados do PCdoB presentes, federais e estaduais, outras autoridades e proferiu o seguinte discurso:
“Uma sessão solene destinada que fosse unicamente a homenagear o aniversário de um partido político já seria por si mesma importantíssima para esta Casa, porque esta é a Casa dos partidos, assim como a democracia é o regime dos partidos políticos. Mas muito mais do que a homenagem a um partido está-se homenageando a própria história das lutas sociais e das lutas libertárias do nosso País, que se confunde com a história do PCdoB.
Na lição de Thomas Jefferson, a árvore da liberdade é regada de tempos em tempos pelo sangue dos tiranos e pelo sangue dos heróis e dos mártires: O PCdoB contribuiu generosamente para essa árvore do lado dos heróis, do lado dos mártires e dos resistentes. Muitas e muitas vezes na história das lutas democráticas e sociais do nosso país, o PCdoB, quando não pôde ser o condutor, foi o cimento; quando não pôde ser a força preponderante, foi a força aglutinadora e foi invariável referência, reconhecimento que todas as forças políticas proclamam e fazem hoje neste tempo de convivência democrática.
Aqui nesta Casa, sem prejuízo da exemplar firmeza com que defende suas posições, o PCdoB, por sua bancada aguerrida, tem o respeito também invariável das demais correntes que aqui se expressam. O respeito pela honestidade política, pela coerência das suas posições e também pela capacidade de se articular com as forças políticas majoritárias para os avanços possíveis, que, às vezes não correspondem ao objetivo mais ambicioso das forças políticas ideologicamente definidas, mas que correspondem ás construções possíveis no estamento democrático, neste momento de liberdade conquistada e construída pelo povo brasileiro.
Testemunhar que o PCdoB teve um papel decisivo na reconstrução democrática do nosso país é reproduzir um testemunho que a nossa nação já prestou, neste reconhecimento invariável que se vê por toda a parte. Especialmente aos companheiros do PCdoB e ao seu presidente nacional, seus deputados, seus dirigentes aqui presentes, queria dizer que esta Casa, pelo seu presidente, se sente muito feliz de poder participar dessa festa de 70 anos; tendo consciência de que homenageamos uma história de lutas muito cara ao povo brasileiro.
Nestes tempos também, em que os acontecimentos mundiais insuflam alguns ventos equivocados que supõem a revogação da história, gostaria que tivéssemos presentes constantemente que a história não se faz de movimentos gratuitos, mas, ao contrário, é o estuário das grandes força sociais que a constroem, a história não está revogada, a história está “ buscando” seus caminhos, construindo seu curso. Supõem, talvez, aqueles que pregam a revogação da história nos últimos 70 anos, construí-la ao seu gosto e ao seu feitio daqui para frente.
Os ventos das conquistas sociais dos últimos 70 anos não serão substituídos pelos ventos antigos, pelos ventos superados da sociedade liberal do laissez faire, do laissez passé. Esses tempos não voltarão. Assim como os tempos sofridos das lutas sociais que conviveram com a história do PCdoB, esses ventos certamente haverão de permanecer indicando caminhos para a reconstrução das sociedades democraticamente organizadas que, no entanto, têm plena consciência de que a conquista democrática deve ser um passo para a construção de uma vida melhor de todos os cidadãos.
As ideias generosas do socialismo que informaram a construção do PCdoB são ideias que têm profundas raízes, as profundas raízes fincadas no humanismo francês, nas ideias do socialismo lá nascidas, fincadas na economia inglesa, especialmente de Ricardo, primeiro a reconhecer a preponderância do valor do trabalho, e, por fim definidas pela filosofia alemã. Essas ideias, generosas, certamente são maiores do que os meandros do curso da história, certamente são ideias permanentes que haverão de contribuir decisivamente para os caminhos que a humanidade continua procurando.
Neste momento, a homenagem da Presidência da Câmara dos Deputados, para que a seguir, com a manifestação de todos os partidos, se complete a homenagem da Casa inteira ao 70º aniversário do PCdoB. Parabéns PCdoB. (Palmas.)
Para falar, como autor da proposição, tem a palavra o nobre Deputado Haroldo Lima.
Falei, como autor da proposição da sessão, após o que se seguiram diversos parlamentares, entre os quais, na ordem, como representantes de partidos, Roseana Sarney (Bloco Parlamentar), Odacir Klein (PMDB), Waldir Pires (PDT), Prisco Viana (PDS), Jabes Ribeiro (PSDB), Florestan Fernandes (PT), Mauro Borges (PDC), Miguel Arraes (PSB) e Luiz Carlos Haully (PST).
Todos fizeram pronunciamentos oportunos, alguns bem elaborados. Assumo o compromisso de brevemente reproduzir aqui a intervenção lapidar do deputado e mestre Florestan Fernandes, um gigante marxista do pensamento pátrio.
 
Haroldo Lima é engenheiro, e ex-diretor-geral da ANP e membro do Comitê Central

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