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Layane Cotrim: Manter o Enem escancara a desigualdade social do país

14 maio, 2020

O Exame Nacional do Ensino Médio, ENEM, foi criado em 1998, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), como política de avaliação do nível de conhecimento dos estudantes ao fim da sua escolaridade básica, a fim de influenciar ajustes no currículo de ensino médio. No governo de Luiz Inácio Lula Da Silva (PT), o exame passou a ser uma importante ferramenta de transformação social em nosso país. Com inúmeros direcionamentos do movimento estudantil representados pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), o ENEM passou a ser usado como porta de entrada para a universidade pública, se tornando o maior vestibular do país. Através do SISU, Prouni e FIES, a juventude e os estudantes secundaristas brasileiros passaram a estar cada vez mais perto do sonho de mudar suas vidas e de suas famílias através da entrada nas universidades públicas e privadas, para além de utilizarem como certificação de conclusão do ensino médio e também para participação no programa ‘Ciência sem Fronteiras’.
Desde março deste ano, o Brasil decretou estado de pandemia e as medidas de isolamento social passaram a ser o único meio existente para a contenção do COVID- 19. Em seguida, todas as escolas e universidades, públicas e privadas, por meio de decreto, suspenderam suas aulas presenciais. A crise intermitente sanitária instaurada pela pandemia só revelou a grande crise permanente em todo mundo pelo sistema capitalista, demonstrando sua insuficiência para lidar com anormalidades como esta. A primeira coisa a ser afetada aqui no Brasil foi o cotidiano escolar de 53 milhões de estudantes, considerando os da rede particular. Logo em seguida, as redes de ensino privadas deram continuidade às aulas por meio de diferentes plataformas online. Já a grande maioria da rede pública, número que equivale a 84 % dos estudantes, está há quase 3 meses sem sua rotina de estudo escolar ou algo similar, uma vez que ⅓ das casas brasileiras não tem acesso à internet. Tendo em mãos inúmeros dados como este, com recortes sociais gritantes, e indo na contramão da maioria dos países que adiaram seus grandes vestibulares, o Ministério da Educação decide por manter a data do maior vestibular do país, marcada para o mês de novembro.
Durante muito tempo, as entidades estudantis lutaram para defender o caráter público, gratuito, de qualidade e principalmente popular da educação. Fruto da luta dos estudantes, os programas de inserção na universidade citados anteriormente, mas também o REUNI, a criação dos institutos federais e as cotas sociais e raciais, são iniciativas voltadas ao objetivo de popularizar o acesso à academia. Diante de uma pandemia, com mais de 12.000 mortes já registradas, sem previsão de queda desses números, é preciso ter como prioridade salvar a vida do povo brasileiro e garantir uma renda mínima para as famílias no propósito de superar essa crise, cumprindo as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de isolamento social. Para o movimento estudantil, para além de defender a vida dos brasileiros, neste momento é preciso defender que não haja retrocessos no avanço ao acesso ao ensino superior.
Manter o calendário do ENEM deste ano por meio digital, de forma autoritária e vertical, deixa claro o intuito deste governo de dar continuidade ao projeto de despopularização do espaço universitário, de desmonte na educação e regressão nas políticas de inclusão dos pobres, negros, índios e quilombolas ao ensino superior, se levarmos em consideração dados como o de acesso à internet no Brasil. Segundo dados do INEP de 2016, mais de 34% das escolas brasileiras estão na zona rural e os alunos destas escolas têm, em sua maioria, a escola e o ensino presencial como forma de estudo e de acesso a livros didáticos e paradidáticos e à internet. 35% dos estudantes de escola pública apresentam transtornos globais de desenvolvimento e aprendizagem, além da evasão escolar no período do ensino médio ser seis vezes maior para os estudantes de escolas públicas em relação aos estudantes das privadas. Isso demonstra o sério risco de desistência do processo de participação destes na prova do ENEM sem a vivência diária da sala de aula e acompanhamento pedagógico. Insistir na realização de uma avaliação decisiva para a entrada destes e de muitos na universidade, é escancarar a desigualdade social estruturante em nosso país e a má vontade deste governo para reverter esta situação.
Por este e outros inúmeros motivos que as entidades estudantis entraram no dia 11 deste mês com um Mandado de Segurança na Justiça pelo adiamento do ENEM. Para nós, não há negociação que tire de milhares de jovens brasileiros a possibilidade de realizarem o sonho de mudar as suas vidas e de suas famílias. A educação é um compromisso nosso!
 
Layane Cotrim é presidenta da União dos Estudantes da Bahia (UEB)

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