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Alice na Tribuna da Bahia: “Não tive medo do avô, não vou ter medo do neto”

15 fevereiro, 2016

Pré-candidata a prefeita de Salvador pelo PCdoB, a deputada federal Alice Portugal mudou o tom e não fala mais da necessidade de reciprocidade dos petistas para com os comunistas, fiéis aliados do PT.
Apesar do recuo, a parlamentar afirmou que se os petistas baianos e o núcleo político do governo do Estado decidir por uma candidatura petista na capital, a tendência é que o seu partido mantenha a sua candidatura.
“Neste momento, a nossa decisão é de aparecer com fisionomia própria, é colocar a sigla, número do partido e as suas ideias à disposição da sociedade”, disse. Sobre uma possível desistência, como aconteceu em 2012, a deputada acha difícil acontecer novamente. “O trauma foi grande da primeira vez. A base do partido estava animada. Eu, particularmente, estava pronta. E aquela circunstância foi nos convocada posterior à convenção e não foi algo que estivesse completamente absorvido para ser realizado”, revelou. Alice Portugal ainda negou que esteja cooptando aliados, como afirmou o presidente do PT, Everaldo Anunciação, que defendeu a discussão da pulverização como estratégia para tentar derrotar o atual prefeito ACM Neto.
“O próprio PT, que tem a tese da pulverização, deveria pulverizar em grupos e não apenas buscar incorporar em torno de si e os aliados que se defenestrem individualmente. Está errada essa visão”.  A comunista ainda cobrou do governo do Estado o fortalecimento de todas as candidaturas de partidos da base aliada. “Isso não significa deixar o aliado com a cuia na mão”.
Confira entrevista completa
Tribuna da Bahia – O PT ainda não decidiu se terá ou não candidatura em Salvador, mas já cogitou quatro nomes para a disputa. A decisão do partido impacta na sua candidatura?
Alice Portugal – De maneira alguma. O PCdoB é um partido que faz 94 anos de existência. Evidentemente, passando por percalços históricos, repressão, perdas de quadros, mas se manteve intacto na sua compreensão política e na luta por uma sociedade menos desigual. E evidente, durante essa quadra, temos apoiado o PT de maneira integral. No entanto, neste momento, a nossa decisão é de aparecer com fisionomia própria, é colocar a sigla, número do partidos e as suas ideias à disposição da sociedade. A tendência hoje é que a decisão do PT não nos impacte. Obviamente, isso não significa que a nossa candidatura esteja plena e acabada. Precisamos de aliados, de estrutura. Temos uma pré-candidatura que inicia o processo de uma candidatura em construção.
TB – Lembrando o histórico de recuos do PCdoB em prol do PT, essa possibilidade pode ser cogitada, caso um nome como Walter Pinheiro entre na disputa?
AP – Francamente, eu espero que não. O trauma foi grande da primeira vez. A base do partido estava animada. Eu, particularmente, estava pronta. E aquela circunstância foi nos convocada posterior à convenção e não foi algo que estivesse completamente absorvido para ser realizado. Superamos, a realidade mostrou que o certo era ter mantido [a candidatura], e, agora, mais uma vez, o partido me convoca, de maneira animada, sua direção unificada, a base do partido estimulada, aprovou nas conferências diversas, e espero que dessa vez não sejamos instados a retirar. Mas, a política não é arte dos sonhos, nem a arte do possível, mas a arte da persuasão, da busca, do convencimento, e espero que consiga convencer aliados e a construção de uma estrutura para enfrentarmos uma oligarquia que está no poder em Salvador. Infelizmente, erros políticos levaram a ressuscitar uma oligarquia mais ortodoxa que a política nacional já produziu, que é a oligarquia carlista, e a mesma que está de prontidão no Palácio Thomé de Souza, através de um de seus herdeiros.
TB – O presidente do PT na Bahia, Everaldo Anunciação, afirmou recentemente que não tem por que o PCdoB ficar cooptando apoios, já que o conjunto de forças aliadas está caminhando para a estratégia de pulverização das candidaturas. Como viu essa declaração?
AP – Ele é livre para dizer o que pensa. Mas, não estamos cooptando e sim buscando parcerias porque temos a dimensão exata do nosso tamanho e da nossa musculatura. Assim como o PT durante anos buscou parceria, nós gostaríamos de ir com algum parceiro. O próprio PT, que tem a tese da pulverização, deveria pulverizar em grupos e não apenas buscar incorporar em torno de si e os aliados que se defenestrem individualmente. Está errada essa visão. Se temos uma tática de pulverizar no primeiro turno para dialogarmos com as várias camadas políticas-sociais da nossa cidade, então o Sargento Isidório dialoga com o setor periférico e popular que, inclusive, conhece seus serviços. Alice Portugal dialoga com setores médios, servidores públicos, com as mulheres e com os movimentos sociais. Juca Ferreira dialoga com os programas sociais que o governo federal realiza e o seu público. Enfim, cada um vai dialogar com o seu segmento, mas é importante que o governo [do Estado], neste caso o PT, fortaleça todas essas linguagens e segmentos. Isso não significa deixar o aliado com a cuia na mão, sem qualquer parceria, apenas fortalecer a candidatura, entre aspas, nuclear. Aí não é pulverização, mas isolamento.
TB – Muito se fala no favoritismo do prefeito ACM Neto. Isso pode soar como ameaça, já que os índices de avaliação do prefeito, apontados até o momento, são altos?
AP – Primeiro, é importante dizer que Salvador foi entregue ao atual prefeito como se estivesse passado por um bombardeio. Infelizmente, a cidade estava abandonada e qualquer meio-fio que se pinte ou concreto que se passe é um advento. Esse retrato do momento, que é a pesquisa, indica que ele tem realizado obras de embelezamento, com praças e com a reformulação de setores da Orla, e isso mostra uma ação que, comparada com a inação anterior, evidentemente, dá o diferencial. Mas, isso não assusta, porque queremos discutir projeto, discutir a forma de gestão que ele [ACM Neto] executa. Queremos discutir planejamento urbano, discutir uma cidade para todos, que não dissolva quando chove. Isso é que me dá coragem e estímulo. É o conteúdo que temos para passar para a minha cidade, ganhando ou não, mas a possibilidade de fazer esse debate e mostrar as diferenças, que são diametrais, com a atual forma de gerir, que é a mesma forma anterior, com contratos com grandes estruturas, como foi agora no Carnaval, e sinal de igualdade com a paisagem das diversas cidades do Brasil. Salvador não é igual. Não podemos compreender que Salvador seja igual a Aracaju, Belo Horizonte ou a Goiânia. Salvador é uma cidade litorânea, secular, a primeira capital do Brasil, qualquer intervenção urbana tem que respeitar a sua história, a sua circunstância de relevo, a sua drenagem deficiente. Quando você asfalta e cimenta e tira toda a pedra portuguesa, se tira toda a absorção de água do solo e a cidade começa a empoçar em vários trechos. Enfim, tenho muito a dizer sobre Salvador e gostaria de ter a oportunidade, finalmente, de fazer esse debate.
TB – Em sua visão, qual o principal erro e o principal acerto do prefeito ACM Neto até o momento?
AP – Do ponto de vista da análise de gestão, diria que o principal erro é governar para a elite, para os ricos. É não olhar para uma cidade que tenha, talvez, o maior cinturão de pobreza, o maior índice de desemprego do Brasil. ‘Mas a prefeitura não tem intervenção nisso’. Tem sim. A prefeitura pode intervir em projetos de geração de emprego e renda, de educação para o trabalho nos bairros da cidade, onde ainda jovens perambulam, no turno diurno, sem ingressar em uma atividade de trabalho porque perdeu o equilíbrio no binômio série e idade na escola. Então, a prefeitura tem que olhar que violência e determinadas outras práticas na cidade têm muito a ver com a falta de oportunidade de uma faixa da população, que recai esse drama sobre a faixa mais jovem, que vira isca fácil para o tráfico de drogas e para outras ações ilícitas. É muito importante que nós possamos fazer uma prefeitura que tenha esse viés social. Esse é o maior erro. E é justamente esse erro que é o demonstrador, é o teste de DNA carlista. O DNA carlista faz elos com empresas e atende aos interesses dos grandes. Ao fazê-lo, tangencia, pela estrutura de obras que realiza, os interesses da população, mas sem tocar nas feridas principais. O que diria de acerto [risos] é a grande facilidade nas comunicações.
TB – O que a senhora faria diferente por Salvador? Qual o foco do seu projeto para cidade?
AP – O foco no social. Melhorar a educação. Facilitar a vida da pessoa em relação ao transporte. O governo do Estado tem feito um grande e rápido trabalho em relação ao metrô e à mobilidade urbana, que ficou empacada nas mãos dos carlistas durante décadas. E isso precisa ser explicado. É preciso que surja um [Sérgio] Moro para que trate dos contratos do metrô nas gestão carlistas, e isso não é tocado como algo sacro. É necessário tocar. O governo do Estado vem fazendo isso, e eu faria, se a cidade fosse do povo e a prefeitura estivesse em nossas mãos, eu faria uma ampla campanha de conexão das vias urbanas com a espinha dorsal do metrô, através de planos inclinados, e a Escola Politécnica tem expertise para garantir o projeto de planos inclinados para vários trechos da cidade. É uma cidade de vale e encostas. É uma cidade que na sua zona central tem uma escarpa, cujo grande símbolo arquitetônico é um elevador. E nós temos quantos mesmo em Salvador? Precisamos tratar desse assunto. Vamos fazer a mobilidade, a relação com o metrô de que maneira? Só com ônibus? Não. Com ônibus, com VLT, com planos inclinados, com teleféricos. Isso hoje, até a cidade de Sobral, no Ceará, constrói vagões de VLT. É muito importante que possamos avançar nesse sentido, facilitando a mobilidade de quase três milhões de pessoas. Segundo, é atuar no elemento social concreto. Nos bairros com educação conectada, com educação para o trabalho. Um convênio com os institutos federais e com as universidades é muito importante. Com as fundações privadas também, que realizam trabalhos importantes em nossa cidade, quer seja para a educação infantil, quer seja para a educação em relação ao trabalho. Atuaria, de maneira determinante, na educação para o trânsito. É muito importante que Salvador diminua os acidentes com motos. Estamos criando uma legião de sequelados. Há de haver uma regulamentação de respeito mútuo entre os vários tipos de veículos que transitam na cidade. Trataria na cidade do objeto da saúde e teria respeito aos seus servidores. São bases rápidas daquilo que penso. Criaria uma Secretaria de Planejamento Urbano de verdade. Retomaria o convênio, através de órgãos com o Estado e o governo federal, com o Iphan e o Ipac e prefeitura municipal, para tratar com zelo, sem demolições, o Centro Histórico da capital.
TB – A senhora não pretende buscar na iniciativa privada parcerias para viabilizar a gestão da cidade?
AP – Parcerias sim. Curvar o Estado, ou seja, a máquina municipal aos interesses da inciativa privada não. Por exemplo, em relação às cervejarias, eu faria um contrato múltiplo. É óbvio que a prefeitura não tem condições de arcar sozinha com o financiamento da maior festa de rua do mundo. Evidente que as parcerias são antigas, ele [o prefeito] não inventou. Só que ele fez uma parceria exclusiva, de porteira fechada, e com a repressão da guarda municipal sob os ambulantes. Isso é uma coisa completamente inábil e descabida. Poderia fazer com o direito de imagem a uma [marca] principal, mas garantir o direito ao paladar do folião, que foi retirado. Nunca vi esse direito ser abordado, mas foi em Salvador. Não tenho nenhum atavismo à iniciativa privada. O que há de se fazer são relações transparentes, aliás estamos vivendo na exigência desse tempo. Inclusive, quero saudar o vereador Everaldo Augusto, que vai investigar esse contrato e, obviamente, fazer parcerias múltiplas para que não confine a cidade a uma relação comercial.
TB – O cenário nacional vai impactar nas eleições deste ano? 
AP – Naturalmente. Vivemos um período em que foi criado um megaconsórcio oposicionista. A crise mundial no Brasil foi amplificada com as lentes da política, e grossas lentes. Essa crise que tem levado ao desemprego na Espanha, em Portugal, na Itália, na Argentina, nos Estados Unidos, é a mesma crise que aqui rebate. Tínhamos escudos protetores que foram sendo desgastados com a persistência da crise econômica mundial, e ela abala a economia brasileira. E isso se dá num momento em que se articula com forças políticas, os derrotados das eleições, parte das elites financeiras, especialmente as bancárias no Brasil e, infelizmente, parte da mídia corporativa. Essa relação acabou sendo de bombardeio contra os governos do ex-presidente Lula e da presidenta Dilma. Acredito que a própria sombra do impeachment já esteja sendo dissipada no país, porque não há motivos para o impeachment de uma presidente eleita e essas questões relacionadas com a ética na política estão na ordem do dia e que me dá muito tranquilidade para encarar esse debate com qualquer um.
TB – Como avalia as investigações da Operação Lava Jato? Há excessos? 
AP – Investigar é sempre lícito e importante. Agora, é necessário que essas investigações não sejam calçadas em hipóteses e não apenas em indicações de delatores, que são réus confessos e que querem amenizar os seus próprios crimes, diminuir suas próprias penas. O que recomendo e espero, para a saúde do Judiciário brasileiro, é que as provas sejam efetivamente apresentadas e que haja amplo direito de defesa a quem é acusado. A democracia passa por essa necessária avaliação permanente e quem cometeu os ilícitos tem que pagar. O que eu defendo é que se apure tudo. Agora, o que não é possível é constituir foco específico, seletivizar investigações como a do ex-presidente Lula, que foi imolado publicamente por um apartamento que ele não comprou. É um processo muito focado em uma força política apenas e é necessário que a investigação seja ampla para quem cometeu ilícitos. O ex-presidente Fernando Henrique está citado várias vezes e não é chamado. Não há qualquer observação na grande imprensa. Então, julgo que a seletividade acaba tirando a força da independência e da imparcialidade de determinadas investigações e de seus investigadores do momento.
TB – Caso o PT não lance candidato em Salvador, a senhora faria a defesa do partido durante a eleição? 
AP – Sou uma mulher da política. Sou deputada pela sexta vez, depois de muitos anos de sindicalismo e de movimento estudantil. Comecei muito cedo. Fui líder estudantil, ajudei a reconstruir a UNE [União Nacional dos Estudantes], fui do DCE [Diretório Central dos Estudantes] da Ufba por duas vezes, depois fui deputada estadual com muita honra. Não tive medo do avô, não vou ter medo do neto. Ganhei todos os prêmios possíveis na Assembleia Legislativa como deputada destaque porque na minha juventude enfrentamos o inusitado. Depois, na Câmara Federal, meu partido fez a indicação e os setores que carrearam essa liderança minha, especialmente as universidades e o serviço público, me trouxeram ao quarto mandato como deputada federal. A política não caminha em linha reta. Ela é uma atividade que evolui em espirais e pode também involuir. Mas eu espero, francamente, que desta vez o PCdoB possa mostrar, como disse a música no Carnaval: ‘possa pôr a cara no sol’.
TB – O PT terá muita dificuldade em todo o país nestas eleições?
AP – Discurso de grandes feitos para a sociedade brasileira todos os partidos da frente terão. Espero que possamos superar esse momento de crise. Mesmo que não aliados nesta eleição, que o nosso aliado principal possa sobreviver. Para nós, não é positivo que o PT, nem nenhum outro partido desta base que trouxe o Brasil até aqui seja defenestrada.
Entrevista concedida ao repórter Osvaldo Lyra, da Tribuna da Bahia. Colaboraram: David Mendes e Fernanda Chagas. 
 

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