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Olívia Santana: Luta por igualdade de gênero é longa

11 novembro, 2015

 
A secretária estadual de Políticas para as Mulheres, Olívia Santana*, acredita que a luta pela igualdade de gêneros na Bahia ainda deve demorar um tempo para terminar. “É preciso derrubar os muros e garantir o acesso das mulheres na vida pública”, disse a gestora durante entrevista concedida ao Bahia Notícias. Nela, Olívia falou sobre o planejamento a médio-prazo da secretaria, como é o trabalho com orçamento reduzido e da herança cultural machista que ainda é muito forte na região Nordeste. “Estamos em pleno século XXI, a era da informação, da tecnologia sofisticada e avançada, da inteligência artificial, e de repente a gente tem essa contradição de ainda permanecer muito viva essa estrutura de pensamento atrasada, conservadora, de pensar que segmentos e parcelas importantes do universo masculino se sentir proprietário da mulher, e achar que pode, quando o seu desejo é contrariado, violentá-la, espancá-la, e até matá-la”, afirmou a secretária.
Na semana da mulher, uma das grandes dificuldades dos movimentos feministas é a questão do empoderamento das mulheres em uma sociedade machista e com visões de mundo bem ultrapassadas, a depender do interlocutor que faz a análise. Como é lidar com esse processo de empoderamento da mulher em 2015, com pessoas pensando como se nós vivêssemos há dois ou três séculos?
É muito difícil. É um desafio enorme ao tratar da questão da mulher, porque nós estamos nos referindo à maioria da população brasileira e baiana também. O que a gente percebe é que a nossa ação acaba sendo puxada muito para os efeitos da falta de oportunidades. Nós tivemos uma situação na Bahia, que é descenso da participação da mulher no parlamento. Nós tínhamos, no que diz respeito à Assembleia Legislativa, 10 deputadas e caímos para sete, em um universo de 63 cadeiras. É uma situação absurda de exclusão de gênero e por isso é importante o debate sobre a reforma política, porque nós não teremos uma reforma política democrática se os segmentos mais vulneráveis não forem fortalecidos. Por isso que nós tematizamos tanto a questão do financiamento público de campanha, porque um empresário quando financia, ele financia candidaturas que ele se identifica, que entende como mais viáveis para os interesses dele, e também por uma visão que está comprometida por esse universo cultural machista. Geralmente o financiamento de campanha privado vai para os mandatos de homens geralmente classe média alta e mulheres, negros, segmentos jovens, não. A não ser que você seja filho de um deputado, é muito difícil um jovem se eleger e acessar um espaço de poder. O segmento LGBT tem uma realidade de grande exclusão. O movimento de mulheres, eu penso que é um movimento exitoso, na medida em que conseguiu pegar essa questão estratégica, como a reserva de vagas para um dos sexos. Geralmente os partidos têm que correr atrás para botar candidaturas feministas, para apresentar pelo menos 30% de candidatas. Ocorre que candidatar apenas não é o suficiente. É preciso ter candidatas e ter financiamento de campanha pra que essas mulheres possam, de fato, se eleger. Não é um problema de falta de qualidade em relação aos homens. “Os homens são mais competentes, estão aptos a vida pública e cabe a mulher a vida privada”. Essa é uma trajetória cultural secular que fica confinando as mulheres ao ambiente da vida privada. Entretanto é preciso derrubar os muros e garantir o acesso das mulheres na vida pública: quer seja como gestora, secretárias, ministras, quer seja como parlamentares. Mulheres eleitas pelo voto popular. É preciso uma série de medidas no plano da educação, para reeducar esse imaginário coletivo. As pessoas precisam mudar a mentalidade no que diz respeito às mulheres no plano dos mecanismos de empoderamento de estado. Também há as estruturas partidárias, que são controladas geralmente por homens e é muito raro ver uma mulher presidente de partido. Eu sou presidente do PCdoB em salvador, mas presidência estadual… geralmente é assim: quanto mais poder, menos mulher presente. Então é um desafio romper com essas amarras, para acessarmos mais espaço de poder e garantirmos o fortalecimento das mulheres.
A senhora tem experiência como legisladora na Câmara de Salvador (CMS) e agora está no executivo. O Estado brasileiro de alguma forma proporciona esse empoderamento da mulher ou ele o dificulta?
Ele dificulta. Hoje a presidenta Dilma [Rousseff (PT)] tomou uma decisão de ter mulheres ministras. Ela forçou que isso acontecesse e conseguiu no seu primeiro mandato garantir uma presença expressiva de mulheres nos ministérios. Agora, é preciso ter vontade política e seguir esse exemplo, de enfrentar as amarras e garantir o empoderamento. Mas por que que a presidente Dilma tomou essa decisão? Por que que em alguns casos a gente consegue furar o cerco? Porque há um debate estabelecido pelo movimento de mulheres, pelo movimento feminista, que pautou uma série de mudanças, inclusive na legislação brasileira e na legislação internacional. Hoje a gente tem a Convenção de Viena, que também determina a necessidade do empoderamento das mulheres, de ter mais mulheres nos espaços de poder executivo e legislativo. A necessidade de empoderar também no mercado de trabalho, nós temos que debater os espaços privilegiados do mercado que pagam melhor, que tem melhor remuneração, porque geralmente as mulheres estão em uma situação mais vulnerável. No serviço precário, informal, é a primeira a ser desempregada. Essas questões são elementos fundamentais ao nosso olhar. São múltiplos os desafios, nessa trajetória de emancipação da mulher para o conjunto da sociedade e não apenas para nós mulheres.
A presidente da Comissão de Proteção da Mulher da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA), Andrea Marques, disse que a Bahia é um estado machista. A senhora concorda com isso?
Concordo completamente. Temos uma matriz civilizatória extremamente machista, marcada pelo patriarcado, e essa é uma questão que não ficou em séculos passados, que se atualizou ao longo do tempo. Renovam-se as formas de discriminação, de preconceito contra a mulher, mas o conteúdo é o mesmo. É um conteúdo que assegura privilégio para os homens e que confina as mulheres em determinados espaços da vida social. Nesse sentido a Bahia não escapa a esse fenômeno, principalmente a região Nordeste, a região que teve uma história muito forte do coronelismo. Muitas coisas que acontecem na literatura, nas obras de Jorge Amado, por exemplo, a força do coronel sobre a mulher, o poder de decidir sobre a vida e a morte… isso ainda acontece, não é só no nosso estado. Então quando a gente vai avaliar os indicadores de violência, os indicadores de feminicídio no Brasil, a taxa nacional é de 5,66 para cada grupo de 100 mil mulheres. Quando você avalia a Bahia, nossa taxa é de 9. Nós só estamos atrás do estado do Espírito Santo. Matar uma mulher pela sua condição de mulher, que é a face mais extrema do machismo, como o namorado que não aceita e não admite o término do relacionamento. Geralmente esses crimes são praticados por pessoas que tem uma relação afetiva com a mulher. Quer dizer é o amor que depois virou algoz. É o parceiro que depois vira o assassino de sua companheira, esposa, enfim. Essa mácula nós temos que superar, na nossa formação cultura. Estamos em pleno século XXI, a era da informação, da tecnologia sofisticada e avançada, da inteligência artificial, e de repente a gente tem essa contradição de ainda permanecer muito viva essa estrutura de pensamento atrasada, conservadora, de pensar que segmentos e parcelas importantes do universo masculino se sentir proprietário da mulher, e achar que pode, quando o seu desejo é contrariado, violentá-la, espancá-la, e até matá-la. Então essa é a realidade que nós temos ainda fortemente no Nordeste.
A secretaria da senhora é a que o menor orçamento, cerca de R$ 5 milhões. O que a secretaria tem planejado para começar a rever esse quadro?
Eu digo que a nossa secretaria é extremamente importante nessa estrutura de governo. Ela é fruto da luta do movimento social, da luta das mulheres. Eu participei de todo o processo de conquista da instalação dessa secretaria no governo do Estado, ainda no governo de Jaques Wagner. Considero que é um avanço importante, mas nós entendemos que a secretaria tem limitações orçamentárias. Porém, é importante entender a vocação da secretaria, a natureza da secretaria. Ela é mediadora de política públicas, ela não é uma secretaria finalística, que executa diretamente a política pública. Tenho que dialogar com o secretário de Educação, por exemplo. Penso em educação para a promoção da igualdade de gênero e é fundamental esse acordo com o secretário Oswaldo Barreto. Porque nós não vamos mudar a concepção se o sistema educacional não abraçar o desafio de educar para a igualdade de gênero. Quando eu penso em políticas para as mulheres rurais, como fortalecer essas mulheres que estão no campo, que estão na agricultura familiar, eu tenho que dialogar com essas mulheres com o secretário Jerônimo [Rodrigues], que é o secretário de Desenvolvimento Rural. A secretaria participa da concepção da política do diálogo com as comunidades, do diálogo institucional com as secretarias e do processo de desenvolvimento daquela política pública, e em alguma medida a gente também faz alguma política direta. Mesmo sendo uma secretaria mediadora, é claro que o nosso orçamento é muito pequeno, é diminuto. Quando se faz um edital para beneficiar projetos de interesse das mulheres para as organizações do movimento social, é claro que não é uma política transversal, é uma política direta, é preciso ter recursos para fazer editais mais robustos que possam contemplar um universo maior de organizações com essa ação. Por isso é importante, como é que fortalece esse caixa? Com o diálogo permanente com o governador Rui Costa, que tem orientado muito os secretários a assumir parceria real e concreta com a secretaria. Se a transversalidade dá certo e funciona, cada pasta estabelece X políticas públicas que impactem o universo feminino, nós vamos ter um resultado muito positivo para o conjunto do governo. O problema da política para a mulher é que não é um problema de Olívia, porque eu sou a secretária da Mulher. É uma questão do governo, uma orientação do governador, um projeto político que incorpora essa ideia, essa concepção e que portanto cabe a todo secretário dar a sua contribuição. No que diz respeito à segurança pública, estamos dialogando com o secretário Maurício Barbosa, sobre a necessidade da ronda Maria da Penha, que é você ter uma ronda especializada em acolher mulheres em situação de violência e que possa transitar nos lugares, bairros e municípios que tenham um indicador maior de violência contra a mulher. Mas é a claro que os parlamentares também são fundamentais para fortalecer os cofres da nossa secretaria. Agora mesmo nós adotamos uma emenda da senadora Lídice da Mata e compramos casas de farinha para mandar para as trabalhadoras rurais, sete casas de farinha, entrega agora no mês. Outras deputadas e parlamentares também podem contribuir e podem destinar emendas.
Outros parlamentares também?
Homens também. Os deputados podem sim destinar emendas para a nossa secretaria, existem emendas do ex-deputado Amauri [Teixeira (PT)], do deputado Valmir [Assunção (PT)], do ex-deputado Luiz Alberto (PT), então é necessário entender esse desafio porque o deputado se elege com o voto das mulheres, com a participação das mulheres majoritariamente. É preciso dar esse retorno, pensar que as políticas específicas para as mulheres são fundamentais para o desenvolvimento da sociedade.
A senhora poderia listar alguns projetos que a secretaria tenha a projeção de desenvolver nos próximos anos?
Posso sim. Eu queria destacar uma medida que considero muito importante da nossa secretaria e nós vamos realizar ainda agora no mês de março. Nós sabemos que temos 19 centros de referência e temos o desafio de fortalecer essas estruturas, que são os centros de referência de apoio às mulheres em situação de violência. Nós estamos liberando ainda esse mês para Porto Seguro, Teixeira de Freitas, Itaberaba, Camacan, Barreiras e Ilhéus o kit de equipamentos, de computadores, material recreativo e também carros para um melhor funcionamento desses centros de referências. Já colocamos no nosso planejamento uma política de fortalecer todos os nossos centros de referência, para garantir que os 19 possam ter essa estrutura, uma estrutura que cada vez mais desenvolvida, e ao mesmo tempo ampliar a cobertura, porque nós temos 27 territórios na Bahia, e somente 19 centros e mais sete núcleos. É importante termos centros robustos, estruturados, equipados, nos 27 territórios. Temos 15 delegacias especializadas em crimes contra a mulher, onde ela vai fazer sua denúncia. Essa delegacia tem que estar melhor estruturada, precisa funcionar no feriado, no fim de semana, então nós estamos dialogando com essa ação com a secretaria de Segurança Pública, temos agendado também com o secretário de Ciência e Tecnologia, em que vamos apresentar uma proposta de um projeto para a inserção das mulheres na área de tecnologia da informação. Temos um parque tecnológico, então é possível que a gente faça uma ação de preparação e especialização da mulher e já articular com as companhias, as empresas, pra que absorvam essa mão de obra feminina especializada em áreas de ponta, porque nós não queremos também fazer trabalho com as mulheres de qualificação profissional, de manicure, de cabeleireiro, dessas coisas triviais. Essa questão é importante, atuar com segmento, que está em uma área mais precária no mercado de trabalho, mas vulnerabilizada, mas nós temos que entender que o Brasil avançou. Hoje nós temos uma política de cotas para negros e pobres na universidade. Essas mulheres que não tem um poder aquisitivo mais elevado, mas que conseguiram entrar na Ufba, na Uneb, nas universidades estaduais, né. O que a gente tem a oferecer a mais para essas mulheres em termos de qualificação profissional e de busca de espaço mais valorizado no mercado de trabalho. As empresas nos estados unidos têm programa de promoção da igualdade de gênero. Por que essas empresas não têm esses programas aqui? É um elemento que nós queremos tocar o dedo nessa ferida, entendendo como um ganho, não é um favor que se faz às mulheres. Elas são inteligentes, são capazes, tem toda a condição de colaborar, porque quando você exclui você perde inteligência. Você perde contribuições que poderiam ser fabulosas. Então não dá para excluir, para represar essa turma que tá aí, muitas meninas jovens, estou muito preocupada com essa questão da juventude, porque os indicadores que nós temos de violência no plano nacional, essa pesquisa sobre feminicídio, quero fazer também esse destaque, dão conta de que 54% das vítimas são meninas, mulheres jovens de 20 a 39 anos. Com apenas oito anos de estudo. Então é uma situação muito vulnerável, que você precisa despertar a auto estima, a menina precisa acreditar que ela pode, que ela é capaz, que ela pode ir mais longe. Mas ela vai mais longe como? Com o poder público ampliando os horizontes, a expectativa dessa gente. Você tem quadros de baixa autoestima e de depressão às vezes, você precisa que alguém te dê uma sacudida e te mostre um caminho novo. Eu penso que é um desafio grande, pode parecer uma ousadia, eu estar colocando essas questões, considerando a estrutura ainda pequena da SPM, mas eu acredito que ela não ficará assim, eu acredito que a gente terá condição de fazer projetos, de ter uma carteira de projetos qualificados que garanta ampliação da secretaria, que garanta a ampliação dos investimentos no nosso projeto, porque não adianta também ficar dizendo que é pequena, que é pequena e eu não ouso porque a estrutura é pequena. Talvez a lógica tenha que ser diferente, tenha que ser ousar para crescer, essa tem que ser a nossa perspectiva, essa tem que ser a área consigna que eu tenho estabelecido para nossa equipe, são 34 cargos de confiança, é de fato uma estrutura mínima, mas nós estamos com uma expectativa muito valorizada, muito positiva, e muita vontade de acertar.
*Olívia Santana é secretária estadual de Políticas para as Mulheres e presidente reeleita do PCdoB Salvador
Entrevista concedida ao blog Bahia Notícias, em 9 de março deste ano

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