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Olívia Santana no Estadão: "Queremos ser o comum, não o inusitado"

10 outubro, 2018


 
Entrevista e foto do jornal o Estado de São Paulo
 
Quando Olívia Santana (PCdoB), de 51 anos, tomar posse, em 2019, será a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira a Assembleia Legislativa da Bahia, o Estado mais negro do País, com 81,4% da população autodeclarada descendente de africanos (60% pardos e 21,4% pretos). Quando questionada sobre a importância de sua eleição, riu da forma “como as pessoas se chocaram”, mas disse esperar o dia em que isso mude. “Queremos ser o comum, não o inusitado”, afirmou ao Estado. “O racismo está no Brasil todo, mas na Bahia deveria ser comum que mulheres negras ocupem espaços de poder na política. Mas o que vemos é que isso é incomum.”
Olívia evoca nomes como Marielle Franco (PSOL), vereadora do Rio de Janeiro assassinada, além de Leci Brandão (PCdoB) e Benedita da Silva (PT) como exemplos raros de mulheres negras eleitas. Faz a defesa enfática das pautas de costumes, como os direitos das mulheres, mas rejeita que seu mandato parlamentar seja defensor exclusivamente das causas identitárias. “Quero representar a sociedade baiana. Querem nos aprisionar nos rótulos e eu não aceito, quero defender direitos”, afirmou. “Eles é que são identitários, mas querem ser universais e nos colocar como específicos. Mas universal não são eles, universal é a diversidade”.
Gastando R$ 150 mil na campanha, sendo R$ 80 mil do fundo partidário, R$ 35 mil do Fundo Eleitoral e o restante de doações, a ativista do movimento negro obteve 57.775 votos na votação deste domingo, 7, e ficou em 31.º lugar na lista dos 63 eleitos para a próxima legislatura baiana.
Na campanha, recebeu contribuição militante de correligionários. As viagens foram feitas em carros cheios dividindo espaço com auxiliares e o material de campanha. “O poder econômico não pode determinar quem vai e quem fica.”
Olívia começou a carreira política no movimento estudantil, na Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde se formou em pedagogia. Na universidade, fundou a União de Negros pela Igualdade (Unegro), entidade do movimento que tomou corpo nacional e virou braço antirracista do PCdoB, único partido no qual Olívia militou.
Em 2000, candidatou-se a vereadora de Salvador mas ficou na suplência. Em 2001, em nome da Unegro, discusou no Fórum das Noções Unidas, em Durban. Foi também a Nova York defender a pauta racial e, em outras oportunidades, visitou a China e a Alemanha representando o PCdoB. “A Unegro tem toda a importância do mundo. Nasci do berço da Unegro”, emociona-se. “Ali eu era mais que a Unegro, era uma voz do Brasil, uma mulher negra falando que no Brasil tem racismo. O movimento negro me deu régua, compasso, me deu tudo.”
Por causa de uma rearrumação de forças políticas, assumiu o mandato na Câmara municipal ao lado de políticos como Rui Costa (PT), que mais tarde viria a ser governador da Bahia. Reelegeu-se duas vezes e ficou dez anos na Câmara Municipal, onde criou o Dia Municipal de Combate à Intolerância Religiosa, homenagem a uma ialorixá morta após ataques de evangélicos.
Foi indicada pela sigla para ser secretária de Educação e Cultura de Salvador em 2005, onde implantou o estudo da cultura afro-brasileira nas escolas. No ano seguinte, foi candidata a deputado federal. Obteve 60 mil votos mas não foi eleita. Foi também candidata a vice-prefeita de Salvador na chapa encabeçada por Nelson Pelegrino (PT) em 2012, mas a chapa foi derrotada pelo atual prefeito ACM Neto (DEM), que está em seu segundo mandato.
Em 2015, quando o ex-colega de vereança Rui Costa assumiu o comando do governo da Bahia sucedendo Jaques Wagner (PT), foi convidada e aceitou assumir a Secretaria de Política para Mulheres, onde ficou até 2017. Naquele ano, após uma reforma administrativa no governo, o PCdoB trocou a pasta pela Secretaria de Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre), órgão do qual ela assumiu o comando. Foi a partir dali que teve contato outros setores sociais, como ativistas do esporte, empreendedores e empresários.
Em 2016, Olívia era o nome preferido do governador Rui Costa e do ex-ministro Jaques Wagner (PT) para disputar a prefeitura de Salvador em nome das forças da esquerda. No entanto, um compromisso prévio feito pela direção partidária garantiu à deputada federal Alice Portugal, parlamentar branca do PCdoB, a vaga para disputar o cargo.
O processo, traumático, gerou desconforto nas entidades do movimento negro ligadas às legendas, fazendo com que alguns setores apoiassem a candidatura do PSOL. Olívia, contudo, trata o episódio sem mágoa. “Cumpri a decisão coletiva do partido, tocamos a bola sem mágoa e sem fraturas. Agora estivemos juntas na campanha e não há nenhum problema sobre isso”, disse.
Defensora da educação, Olívia sonhou em ser professora desde sempre. “A educação para mim é a porta. Todo negro e toda negra precisa ter oportunidades educacionais”, afirmou. “Ninguém vai poder dizer que não podemos estar nos espaços porque não estudamos.”
Sua história é um exemplo de como os livros podem mudar a vida das pessoas. Nascida em uma filha pobre que morava em favela de palafitas em Ondina, quando o bairro da capital baiana ainda não era considerada área nobre da cidade, Olívia teve sete irmãos – quatro morreram e um é desaparecido até hoje. Começou a trabalhar aos 14 anos e exerceu várias funções, como a de faxineira em banheiros de escolas.
Quando passou no vestibular de pedagogia na UFBA, foi demitida da escola privada em que trabalhava para pagar o aluguel de um quarto onde morava com a família. A patroa achava que não teria como conciliar o trabalho com o estudo.
Optou pela universidade e fez bicos para manter a moradia. A mãe, contrariada, ficou 30 dias sem falar com ela, pois achava que entrar na faculdade “era um luxo” para quem não tinha onde morar. Sua mãe começou a trabalhar com 9 anos e nunca foi à escola. Ela, porém, queria outro rumo. “Eu decidi que não ia repetir a história.”
ENTREVISTA

  1. ​O que precisa mudar para as mulheres negras ocuparem mais a política?

Nós precisamos de uma reforma eleitoral democrática, que crie mecanismos de participação social mais amplos, que incorpore mulheres, negros, pobres, os trabalhadores, que quem produz a riqueza desse País tenha participação política. Você só consegue fazer isso quando reduz o poder econômico, para garantir equilíbrio. Muitas vezes você não consegue se fazer visível porque não tem dinheiro. E quem tem dinheiro chega. Eu viajei de carro junto com material e tem candidato que viaja de jatinho. Não dá para competir.

  1. A reserva de 30% dos recursos para as mulheres não resolveu esse problema?

Foi positiva, foi importante, mas ainda é pouco. A mesma lei que criou o fundo eleitoral possibilita que quem é rico seja beneficiado. E pode usar dos próprios recursos na campanha.

  1. Os negros deviam ter mecanismo parecido?

Tem que ter mecanismos étnico-raciais de divisão, de distribuição do bolo econômico no financiamento das campanhas, porque a negrada não tem network. A gente não tem rede de relacionamento rica. Você vai pedir dinheiro a quem? Para seu vizinho que tem menos do que você? Então a gente precisava fazer uma legislação eleitoral ouvindo as pessoas, fortalecendo os partidos, com voto em lista, com mulheres, com negros. Precisamos mexer com essa estrutura tão cristalizada, com exceções.

  1. As direções partidárias com hegemonia de homens brancos são um problemas para negros e mulheres?

Os partidos precisam espelhar também diversidade na sua direção. Por isso que é importante que negros e mulheres participem dos partidos. Muita gente não quer saber de partido, porque se criou uma cultura de que partidos é ruim, é um bando de ladrão e corrupto. Eu acho que precisamos ter o inverso. Temos que ter mais politização, mais cidadania, mais participação, mais conhecimento, para as pessoas terem discernimento sobre qual o programa do partido. Tem que entender a que partido as pessoas estão vinculadas, como esses partidos votam, se votam para beneficiar os trabalhadores, onde esses partidos estavam quando o STF julgou as cotas.

  1. O PCdoB, seu partido, não atingiu a cláusula de barreira. Há risco de ele acabar?

A política brasileira precisa do PCdoB, precisa do PSOL, do PT. Esse campo precisa existir no Brasil. Essa maneira historicamente desequilibrada, em que partidos tradicionais mudaram de nome como mudam de roupa, mostra que eles mudam para poder continuar. São legendas de aluguel. Os ideológicos lutam para crescer, disputam ideia na sociedade brasileira. Mas a direita faz essa sopa de letrinha para disputar o fundo partidário. Já me falaram que eu podia mudar de partido para ficar mais fácil de eu me eleger, mas não estou num partido por isso, estou pelas causas que ele defendem. Quero chegar na Assembleia com identidade política.

  1. As pautas que vocês defendem estão sendo questionadas e o conservadorismo cresceu. Como a senhora enxerga esse movimento conservador?

Com muita tristeza, mas também com muita força. Ainda é tempo de lutar por algo melhor. Eu faço apelo à elite, que não sucumba a isso, que nosso País, que tem 30 anos de democracia, não abra as portas para o fascismo. Eu tenho preocupação com a vida dos negros, dos homossexuais. Eu sou uma mulher negra que sofre com o racismo. A gente luta tanto pela morte dos jovens negros e imagine se um candidato que faz apologia à tortura e defende a liberação de armas se eleger. A gente não pode se indignar com Hitler e Mussolini e agora, em pleno século 21, abrir as portas para as trevas apagarem o mínimo de luz que temos no País. Tenho muita preocupação.

  1. A esquerda errou muito nos seus governos?

Acho sim que cometemos erros, mas também cometemos muitos acertos. Mesmo com o PT tendo incorrido em erros, não justifica esse linchamento contra o PT. Meu medo é que, ao dizer “PT não”, o fascismo tenha a faixa presidencial.

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