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Em artigo, secretária nacional de Combate ao Racismo critica campanha “Somos todos macacos”

8 maio, 2014

Os recentes casos de racismo no futebol, que resultou na campanha “Somos todos macacos”, foram analisados pela secretária nacional de Combate ao Racismo do PCdoB, Olívia Santana, que também preside o Comitê Municipal do Partido em Salvador, em um artigo batizado de “Não me venham com bananas e macacos!”. No texto, Olívia critica a campanha e os atos racistas, e defende que a FIFA deve determinar que os clubes de futebol desenvolvam ações para coibir o racismo.
A ideia do artigo surgiu, segundo a secretária, a partir de uma conversa com o integrante do Comitê Central e ex-deputado constituinte Haroldo Lima. Os dois acreditam que também deve ser de todo comunista a luta por uma sociedade não-racializada. Confira na íntegra.
 
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Não me venham com bananas e macacos!

*Olivia Santana

 
Reconheço a intenção antirracistada campanha “Somos todos macacos”, deflagrada após Daniel Alves ter comido a banana que um torcedor xenófobo lhe atirou em campo, quando ele se preparava para cobrar um escanteio, no último jogo do Barcelona contra o Villareal.  Contudo, tem ela uma limitação intrínseca. Procura responder ao ultraje, incorporando-o.
É contra negros que se lança o epíteto de “macacos” e o refrão – “somos todos macacos” – independente das boas intenções, não pode ser assumido pelos negros, porque, se assim o fizéssemos, estaríamos aceitando o velho preconceito de nos associar ao ser humano incompleto, o primitivo, o que está mais próximo dos símios na cadeia evolutiva.
É crescente a onda de racismo no futebol. Há um recrudescimento desse sentimento retrógrado, que se dá em meio à crise econômica que assola o sistema capitalista do mundo, sobretudo nos países europeus, vergastados pelo desemprego inclemente. Nessa hora, impotentes ante o descalabro da crise, os setores mais reacionários, soltam seus demônios fascistas, racistas sobre o que imaginam ser a causa de seus infortúnios, os imigrantes em geral, os africanos e latinos, em especial. Incapacitados de identificar a natureza econômica e política de seus problemas voltam-se contra bodes expiatórios e vão buscar em teorias e práticas sepultadas pela história, mas não mortas, os motes racistas da agressão atual.
Os fatos lamentáveis que se multiplicaram este ano no Brasil, no Peru e na Espanha, sacodem os que ingenuamente pensam que a ascensão econômica por si só torna iguais negros e brancos. Os milhões de Neymar e de Daniel Alves catapultaram-nos para o mundo glamoroso dos muito ricos, quase todos brancos, mas não os blindaram da humilhação racista. À espreita, e dependendo do momento, alguém sempre estará a dizer: você não é um dos nossos.
Na história do futebol, como de resto na história humana em geral, “o inesperado faz suas surpresas”. De origem aristocrática, o futebol teve que aceitar o negro, na verdade, teve que se curvar a ele.   O jeito próprio, a graça, a criatividade, a “catimba” fizeram do negro um artífice da arte de marcar gols.
Foi assim que surgiu a maestria do drible do “Anjo das Pernas Tortas”, do menino pobre que se fez gigante, ganhando duas Copas do Mundo (1958 e 1962), o imortal Garrincha, um dos maiores jogadores do século XX. E Thierry Daniel Henry, jogador negro a quem o Arsenal Inglês deve a conquista do Premier League, de forma invicta e apoteótica na temporada 2003/2004.
A coroa de Rei do Futebol não adorna a cabeça de nenhum inglês, espanhol, francês ou alemão, mas sim a de um negro brasileiro, nascido em berço pobre, no município de Três Corações, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Expressão elevada da vitória do negro no futebol, Pelé é isto, independente do que ele ache a respeito e da sua postura tíbia ante as agruras da sua raça. Instigado a se posicionar sobre os gritantes casos de racismo, declarou não saber de todos os casos, mas sobre o de Daniel Alves, considerou ser algo banal, sem importância. Aff…Sabe de nada, inocente! Como disse Romário, “calado é um poeta”.
Ganhar e perder faz parte de qualquer jogo. O problema é que, quando é nos pés do negro que a promessa de vitória não se realiza, muitas vezes a indignação do torcedor vira ira racista, posto que ele a tem latente, como subproduto do lixo que ficou da herança colonialista, escravista e, ainda por cima, da cultura de inferiorização que se sedimentou sobre os povos não brancos.
A situação exige mais que campanhas pontuais de enfrentamento ao racismo. Nenhuma instituição de futebol deve tolerar o racismo.   A Fifa deve estabelecer regras objetivas e mecanismos de punição imediata que obriguem os clubes a combater atos racistas por parte de torcedores, comentaristas ou quem quer que seja. É preciso agir contra o racismo em nome de novos princípios civilizatórios.
Esse artigo resultou de uma boa prosa que tive com o amigo Haroldo Lima. Pensamos que deve ser parte da agenda de todo comunista a luta por relações sociais não racializadas. O que nos movimenta é o ABAIXO O RACISMO. O que nos une é que SOMOS TODOS HUMANOS!
 
*Olívia Santana – é Secretária Nacional do PC do B de Combate ao Racismo
 

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