Opinião

Adroaldo Almeida: Dr. Sálvio Dino, a prefeitura e a montanha

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25 agosto, 2020

Em 1999, meu irmão Lula Almeida me apresentou a um dos homens mais cultos e generosos que conheci na vida: Dr. Sálvio Dino. Ele era prefeito da cidade de João Lisboa no Maranhão. Então, por sua confiança e admiração mútuas, naquele ano, eu me tornei advogado do município. Nas muitas vezes em que fui à prefeitura, o Palácio Gameleira, como ele chamava, era convidado para ir à sua casa. Enquanto esperávamos o almoço, ele me levava até ao escritório e começava a retirar livros e fotografias das estantes da sua imensa biblioteca, e a conversa fluía com as extraordinárias histórias que ele me contava; falávamos de tudo, artes, filosofia, folclore, futebol e especialmente literatura, quase nada de direito ou administração pública.

Na campanha da reeleição, na primavera de 2000, num dimingo à tarde de nuvens claras, fui a um dos seus comícios. Eu estava a seu lado no palanque, a multidão embaixo, o sol a pino, quando no meio do seu discurso de retórica clássica, português castiço, vernáculo imaculado, ele fitou o horizonte e arrematou: “uma prefeitura é como aquela montanha lá no alto, daqui de longe, tudo nos parece lindo e mavioso, desde o pasto com gramas diáfanas pela luz solar, até a floresta verde contornada pelo azul do céu, é uma maravilha. Porém, vá até lá, se aproxime, entre, e você verá a hostilidade natural, os insetos, os bichos, as feras, os espinhos e a dificuldade para sobreviver a tantas lutas, assim é o prefeito na prefeitura…” e seguiu com essa analogia e metáfora singulares e excepcionais. Ao final, eu, impressionado, puxei os aplausos e o povo simples entendeu a figura de linguagem e delirou de louvor e entusiasmo.

Nos reencontramos muitos anos depois destes fatos, na semana mais difícil para minha família, quando meu irmão morreu em setembro de 2014. Foi na missa de 7º Dia na Igreja de São Francisco em Imperatriz. Ao final da cerimônia, ele saiu dos fundos, atravessou a nave e subiu ao altar com sua figura imponente de personagem do realismo mágico latino-americano, um Buendía nordestino. No púlpito, tomou do microfone e falou por mais de meia hora, uma nova homilia, um panegírico ao meu irmão, um consolador para todos nós. Até hoje, todos os dias, no meu luto eterno, as palavras do Dr. Sálvio ainda ressoam na minha alma e me refrigeram daquela imensa dor.

Agora, quando o lamento e a perda são da família e dos amigos dele, eu me lembro do Dr. Sálvio me mostrando fotografias de antigos carnavais, do bumba-meu-boi nos festejos de São Pedro e São Marçal, dos seus livros – que os tenho autografados pelo autor -, da política, das histórias do Grajaú, aí então, pesaroso e enternecido, daqui de Itororó no sul da Bahia, em nome da nossa família, envio meu abraço fraterno e minha solidariedade ao Governador Flávio Dino e a todos os familiares e admiradores do seu pai, Dr. Sálvio Dino, um gigante que viveu entre nós.

 

Adroaldo Almeida é escritor e advogado.

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